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“Esport não é esporte, é entretenimento": qual o peso de um discurso político?

Texto de Matheus Vasconcelos


Imagem: Roberto Castro

Na semana anterior, Ana Moser (Ministra do Esporte), comentou que não considera esports como esportes e não tem pretensão de inclui-los na agenda política do ministério.


Antes de tudo, não entrarei no mérito da conceituação do que é esporte e o que não é. Para isso, recomendo o livro “Introdução ao estudo do esports law” do autor Antônio Bratefixe.


Em partes, as análises feitas sobre todo o contexto de profissionalização dos esports somados aos anos que venho atuando dentro deste contexto atendendo atleta e prestando serviços para instituições, considero que estamos lidando sim com um emergente contexto esportivo.


O interesse geral de todas as ciências do esporte pelas modalidades de esports também referendam meu ponto de vista.


Porém, gostaria de alertar para o peso político que tem um discurso no mundo esportivo, especialmente quando se trata da ministra do esporte.


Uma política não tem início-meio-fim como todos imaginam. Toda política é complexa, não-linear e totalmente influenciada por discursos. Quem afirma isto é o analista de políticas educacionais, Stephen Ball.


Ball afirma em sua perspectiva de análise de políticas que toda política nasce a partir da confluência de três contextos: O contexto da influência, o contexto de produção de textos e o contexto da prática. O primeiro é aquele onde influenciadores (grandes organizações, sindicatos, movimentos sociais) agem para colocar seus interesses em pauta. O segundo ocorre onde os textos são discutidos e escritos (câmaras, assembleias, congressos, etc.). O terceiro é onde a política acontece e as pessoas sentem diretamente seus efeitos, é o contexto em que vemos mais presença cada ação cotidiana. A única coisa capaz de atravessar com força todos esses contextos é o discurso.


Logo, quando uma Ministra do Esporte afirma que “Esports não é esporte, é entretenimento”, seu impacto social é imensurável e pode ter efeitos que fogem ao controle das próprias instituições, pois são fenômenos puramente sociais.


No contexto da influência, tal discurso pode ser um sinal para investidores, patrocinadores e outros grupos organizados de que não valeria a pena investir tempo/dinheiro em um cenário discriminado discursivamente pela maior entidade do mundo esportivo no Brasil. No contexto de produção de textos, tal discurso é um sinal de que pautar tais discussões em espaços de participação social seria tempo perdido.


Enquanto no contexto da prática, o que tenho percebido de maneira imediata, é que tal discurso pode amplificar vozes violentas e preconceituosas em relação aos esports nos mais diversos contextos sociais, especialmente no contexto familiar e escolar.


Por isso, não considero que o problema maior na fala da Ana Moser seja o nítido desinteresse pelos Esportes Eletrônicos e possível ausência de representantes do setor no seu Ministério. Mas sim, o discurso estigmatizante e desprovido de conhecimento sobre a realidade pela qual foi questionada.


Algo como “Não tenho conhecimento sobre esse contexto, mas sem dúvidas o governo está disposto a escutar a comunidade para que façam parte da agenda” soaria mais político, não jogaria ao limbo uma comunidade que manifestou extremo apoio ao governo eleito e que durante décadas vem lutando para ser compreendida pela sociedade.


Por fim, também não considero que a fala da Ana Moser é motivo para que “atirem pedras” no telhado do recém recriado ministério. Afinal, em que pese as falhas (intencionais ou não) do discurso, a sociedade agora tem um Ministério do Esporte para dialogar.



Sobre o autor


Matheus Vasconcelos


Amazonense, psicólogo, especialista em psicologia do esporte e mestre em saúde pública (Fiocruz Amazônia).


Associado ABRAPESP e integrante da Comissão de Atualização Profissional.


Idealizador da Escola de Psicologia do Esporte (E.P.E) e Escola de Psicologia do Atleta (E.P.A).

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